Leandro Mello: “ações sociais salvam vidas nas comunidades”
Há quatorze anos trabalhando em ações comunitárias, o músico e empreendedor social Leandro Mello é uma figura ativa e presente nas comunidades de Vitória. Morador de Caratoíra, sua atuação começou com aulas de violão gratuitas para crianças e jovens. Hoje, seu projeto de ação social “Vizinho da Arte” alcança mais de vinte mil moradores e atende cerca de sessenta jovens, incluindo gente talentosa na música e vitoriosa nos esportes. Em entrevista, Mello conta a história, os desafios e as realizações do “Vizinho da Arte”. Afirma a importância de ações sociais nas comunidades: “fazem um trabalho complementar indispensável”. Explica como seu trabalho pode ser desafiador: “nem sempre a gente consegue, e isso pode ser bem chato”. E conta como, apesar de tudo, é um trabalho que traz alegria e satisfação: “a gente sente essa vitória como se fosse nossa”.
Como começou sua carreira de empreendedor social?
Começou quando percebi que o povo da comunidade possui muito potencial, mas precisa de ajuda para se desenvolver. Eu mesmo vivi isso. Passei minha vida inteira na comunidade. Ainda moro em Caratoíra, onde crio meus filhos. Como muitos daqui, passei por situação de vulnerabilidade social. Minha história poderia ter sido triste. Graças a Deus, com ajuda de muita gente boa, superei esse risco e alcancei o melhor de mim. Sei na pele como esse apoio é importante. Decidi fazer o mesmo pelas pessoas daqui. Fiz disso minha profissão, minha missão, meu objetivo de vida.
Você criou o “Vizinho da Arte”, projeto social que comemora quatorze anos de atividades. Conte para a gente a história do seu projeto.
Comecei o projeto dando aulas de música gratuitas e organizando apresentações musicais. Mais tarde, o projeto fechou parcerias e passou a incluir várias áreas, como jiu-jitsu, kickboxing, música clássica, dança. Conseguimos atuar em diversos bairros, incluindo mais de vinte mil moradores e atendendo cerca de sessenta jovens. Saíram do nosso projeto exemplos de vida e de sucesso, como músicos profissionais e atletas que são inclusive campeões nacionais e até mesmo internacionais. Por tudo isso, em 2014, o projeto ganhou da Rede Gazeta o prêmio “Atitude Sustentável”, por sua inovação e seus resultados. Para mim, o projeto Vizinho da Arte é viver e realizar um sonho.
Leandro Mello ensina violão em seu projeto “Vizinho da Arte” (fonte: arquivo pessoal).
Qual a importância de ações sociais voltadas à cultura e ao esporte, como o “Vizinho da Arte”?
A maior importância dessas ações é a maneira como elas salvam vidas nas comunidades. Elas descobrem e desenvolvem talentos. Isso ajuda as famílias, afasta as más influências e cria boas possibilidades nas vidas dos jovens. Sei que a escola é muito importante nisso, mas as ações sociais fazem um trabalho complementar indispensável. Elas conseguem alcançar as vocações particulares. Elas entendem com mais detalhes a realidade das comunidades e dos jovens que moram nelas. Tudo isso ajuda muito a aumentar as chances de sucesso.
Leandro Mello recebe o prêmio “Atitude Sustentável” da Rede Gazeta (Foto: Renan Chagas/ G1 ES / Reprodução)
Qual o maior desafio e a maior realização de trabalhar com o “Vizinho da Arte”?
O maior desafio é o de conquistar recursos e atenção para o nosso projeto. É preciso correr atrás de local, de apoiadores, de divulgação, de recursos financeiros. Nem sempre a gente consegue, e isso pode ser bem chato. Outro desafio complicado é o de simplesmente conseguir atuar. Às vezes, as pessoas ajudam muito quando simplesmente não atrapalham. Mas até mesmo isso pode ser difícil conseguir. Apoiar pessoas faz a gente cair no meio de uma disputa de vaidade, de gente querendo aparecer mais. Isso prejudica o projeto, dificulta levar ajuda para quem precisa. Mas o esforço vale a pena. A maior realização é testemunhar como o projeto é capaz de transformar vidas. É maravilhoso ver a vitória de quem a gente consegue ajudar. A gente sente essa vitória como se fosse nossa. Ela faz toda diferença na vida delas e também na nossa.
Leandro Mello com Grasielly Siqueira, atleta de jiu-jitsu apoiada pelo projeto “Vizinho da Arte” (fonte: arquivo pessoal)
Como tem sido o apoio da política para ações sociais como a do “Vizinho da Arte”?
Sinceramente, o apoio da política poderia ser bem melhor. Nossa forma de fazer política continua muito ultrapassada. Foca demais em coisas básicas, como coletar lixo e tapar buraco. Isso é importante, claro, mas não é tudo. Além disso, nossa política insiste em fazer coisas que não pode nem deve fazer. Por exemplo, indicar vaga em creche e em escola. Muitos por aí gostam de dizer que isso depende deles, mas na verdade é um direito nosso. Para piorar, nossa política vive fingindo que fez obras que simplesmente não pode fazer. Muitos por aí ficam posando como se dessem ordem de construir um campo de futebol, de cobrir uma quadra de esporte, quando isso nem sequer é função deles. No lugar disso tudo, a política deveria dar atenção ao próximo. A política precisa prestar mais atenção no potencial do povo, principalmente dos jovens. Todos nós precisamos de apoio para desenvolver e alcançar nosso potencial. Nesse sentido, a política está deixando muito a desejar.
Diante disso, quais as expectativas para a política para os próximos anos?
Para começar, os representantes locais precisam dar mais atenção ao desenvolvimento das pessoas. Os moradores das comunidades têm muito potencial, mas se desenvolver por aqui pode ser muito mais difícil. Precisamos de leis e projetos que ajudem a gente daqui a crescer como pessoas, ou que apoiem iniciativas que façam isso. Além disso, os representantes locais precisam ter uma ideia melhor de quem são as pessoas e do que elas precisam. Serviços como limpeza e saneamento são importantes, mas o trabalho não acaba por aí. A vida nas comunidades pode ser muito desafiadora. Os moradores daqui precisam de uma assistência social mais ampla, sensível ao bem-estar em vários sentidos, inclusive psicológico. Precisamos de ações, de projetos e de soluções que abordem esse tipo de situação. Viver na comunidade traz muita alegria, mas também pode ser muito complicado. Os representantes locais precisam ficar atentos a isso e cobrar mais atenção nesse contexto. ■
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